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Gordofobia no turismo

Um gordo entra no avião e todos os outros passageiros seguram a respiração e pensam: tomara que ele não sente ao meu lado. Essa já é clássica da gordofobia, quem está acima do peso se sente incomodado nas poltronas da classe econômica das aeronaves e, muitas vezes, envergonhado mediante os olhares maldosos. Quem é magro, tenta evitar um gordo ao lado. Bater nas companhias aéreas por espaço já virou rotina, mas, e nos outros setores do turismo, tem espaço para o gordo?

Estou bem acima daquele “peso ideal” dos médicos. Com 1,70 m de altura estou sempre com uns 105 quilos, às vezes mais, outras menos. Meu noivo, com 1,86 m de altura, está com 150, apesar de ninguém achar que ele “pesa tudo isso”. Porém, esses números fazem diferença, principalmente, na hora de praticar esportes e se aventurar em viagens. Yes, somos gordos, mas não somos preguiçosos (ok, eu sou um pouco preguiçosa) e gostamos de esportes de aventura.

Os equipamentos de tirolesa costumam não servir em que está acima do “peso ideal”

A primeira dificuldade é encontrar roupas adequadas para praticar esportes de aventura. Em Pucón, Chile, Rodrigo queria subir em um vulcão, o Villarica. A atividade é bem comum por lá. A descida é feita quase toda escorregando e, para isso, há necessidade de uma roupa grossa, especial. Após irmos a umas quatro agências, vimos que nenhuma tinha o tamanho dele. Na última, nos disseram que havia roupa que servia, ele ficou todo feliz, foi experimentar e nada serviu, aliás, ficou longe de servir. Resultado: desistiu da subida, que era o principal motivo de termos ido até Pucón.

Na hora de esquiar é bem engraçado. Eu detesto esquiar, mas tenho toda a roupa. O meu tamanho é o maior feminino que se encontra na Decathlon. Para o Rodrigo é outro sufoco, as peças precisam ser 3XG. Na Decathlon tem esse tamanho, mas não muitas opções de escolha. Na North Face também achamos algumas peças e só. Nas estações de esqui com aluguel de roupa até tem jaqueta para ele, mas calça, nunca, ele já leva a única que tem, caso contrário, tem que ficar sem esquiar. E, cadê os gordos na pista? Só Rodrigo, sempre.

No Alasca, fomos fazer um passeio de helicóptero até o topo da geleira Mendehall. Valor? US$ 300 por pessoa. Quem pesa mais de 114 quilos deve pagar uma taxa extra de US$ 100. Mentimos o peso do Rodrigo (aquele jeitinho brasileiro vergonhoso), não podíamos gastar mais essa quantia. No local de saída do helicóptero tinha uma balança, acho que se a empresa desconfia, a pessoa tem que se pesar, não pediram para o Rodrigo subir, respiramos aliviados. Provavelmente, essa taxa é cobrada porque os helicópteros da empresa têm limitação de peso e uma pessoa muito gorda ocuparia o lugar de mais um passageiro.

Em terras brasileiras a situação não é diferente. Tirolesa? Eu adoro, mas há muitas com limite de peso de 100 quilos. Rodrigo nunca conseguiu fazer. Certa vez disseram que ele poderia tentar, que o cabo aguentava toneladas, porém, a “cadeirinha” do equipamento não serviu nele. Amamos Stand up Paddle, mas é tão difícil encontrar boas pranchas que nos suportem! E, quando, finalmente conseguimos equipamentos, muitas vezes nos deparamos com a cara de espanto das pessoas por verem gordos praticando esse tipo de aventura.

Só uma vez Rodrigo achou uma prancha de Stand Up Paddle que suportasse 150 quilos

Não é fácil achar roupa de esqui no manequim 48/50, o meu

E, hotelaria, se pensou que eu ia esquecer de você, se enganou. Tem hotel pet friendly, gay friendly, mas, hey, e o fat friendly? Quem raios compra as toalhas de hotel? Meu quadril tem 125 cm e posso garantir que pelo menos metade dos hotéis que fiquei na vida não estava preparada para ele. E o Rodrigo? É uma luta! Roupão? É piada, acho que apenas uns três hotéis que ficamos até hoje tinham roupões que serviam nele. Porta do box do banheiro é outro tema crítico, tenho uma amiga que já deixou de ficar em hotel por conta disso. Principalmente os hotéis do Brasil – país que tem mais de 50% da população com peso acima do ideal – deveriam começar a pensar como receber pessoas gordas de maneira confortável, com uma toalha de corpo que não usássemos como uma de rosto.

Rodrigo esquiando

É difícil um quadriciclo que aguente um casal pesado, melhor ir sozinho

Em todos os meus anos de gorda e viajante só posso dizer que o turismo ainda tem muito a aprender para receber pessoas gordas. As companhias aéreas, muitas vezes, tentam mesmo melhorar a experiência de quem não está “no padrão”. Claro que elas falham, mas parece ser o único setor que entende que há necessidades diferentes para determinados grupos de pessoas. Só que na hotelaria, no turismo de aventura e de esportes a coisa ainda está bem atrasada. E, aqui, deixo a questão: será que o gordo não gosta de algumas atividades, como esquiar, ou as atividades não são preparadas para recebê-lo?