Adoro conhecer os lugares mais emblemáticos de cada cidade, e vocês?

A “gourmetização” do turismo

por: Sylvia Barreto
16 de fevereiro 2018

Viajar é para qualquer um. Não importa a finalidade, se a pessoa tem muito ou pouco dinheiro, se vai de carro, avião, trem ou qualquer outra coisa. Sempre vi a viagem como algo que temos direito como ser humano, coisa como comer ou aprender a ler, é um direito nosso de desbravar, se informar, é “conhecer o frio para desfrutar o calor”, como já disse Amyr Klynk.

Para o bem e para o mal, nos últimos anos, não só o brigadeiro passou por uma “gourmentização”, mas o turismo também. Criaram-se as “experiências de viagem”. Um termo um tanto quanto contraditório, afinal de contas, só viajar em si já não é uma experiência, já não é sair da rotina e da zona de conforto e experimentar coisas novas?

O conceito de viver uma experiência é bom no sentido de criar novas formas de vender um destino. Talvez hoje o turista seja incitado a fazer coisas em um lugar que ele não era incentivado há dez anos, como um tour pelas comunidades do Rio de Janeiro. Ótimo nesse ponto. Mais produtos, maior integração, economia que gira para toda a população e não apenas uma parcela dela.

Por outro lado, vejo uma negatividade e depreciação do turista, digamos, “comum”. Vamos colocar nesse patamar aquele cara que vai para Paris e fica contente por conhecer a Torre Eiffel, o Louvre e outros pontos tradicionais da cidade. Esse cara sou eu, ou também sou eu. Para mim, meu roteiro depende muito da viagem e de quantas vezes já fui a um lugar.

Sim, quando vou conhecer um novo destino, gosto de ver o que tem de mais famoso e emblemático no local. Mas tenho percebido que muita gente torce o nariz para isso, se você for à Paris e não comprar uma baguete no mesmo local que o pariense de verdade compra e sair com ela embaixo do braço, vivendo como um local, então, perdedor, você não vivenciou Paris.

Eu sei, é um conceito que o Airbnb sabe explorar muito bem, e, na maior parte do tempo, como uma forma de economizar e se familiarizar melhor com um destino, usado o lado bom. Porém, esse conceito também tem sido bem utilizado por uma parcela da população, e até pela indústria do turismo, para desvalorizar certos tipos de viagem, aquelas de pacotes, só para citar um exemplo. De pacote, particularmente não gosto, prefiro montar minhas próprias viagens, só que eu trabalho com isso, tenho mais facilidade, muita gente já prefere tudo redondinho e montado, e está tudo bem, cada um na sua.


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Outro ponto que me preocupa quando algo é vendido como “experiência” é a supervalorização. É como o brigadeiro, um dia percebi que paguei R$ 8 em uma unidade pequena comprada naquelas chamadas “brigadeirias gourmet”. Poxa, o doce era gostoso e tudo, podia até ser feito com produtos legais, mas, no fim, acabava sendo um bom brigadeiro que eu posso comprar na rotisserie da esquina de casa por R$ 3,50 no tamanho grande e comer agradecendo a Deus pelo momento. Percebem que eu paguei apenas por um conceito e podia ter a mesma experiência, ou até melhor, por valor muito mais baixo? Essa é a questão, o turista deve ficar atento ao que paga, não sair enfeitiçado pela experiência e gastar muito mais que o normal e justo. Algumas valem a pena e serão até mais baratas que o tradicional, só que é preciso atenção e discernimento.

A empresa de previsão de tendências World Global Style Networt (WGSN) tem um estudo sobre turismo bem interessante. Fiquei sabendo dele em uma palestra ano passado. De acordo com a WGSN, os Millennials procuram por experiências autênticas em lugares incomuns quando se trata de viagem. Nascida em 1984, sou uma Millenial, da velha guarda, diríamos. Eu também, algumas vezes, estou nesta tendência. Só que algumas vezes é diferente de sempre. É tão autêntico visitar o Cristo Redentor quanto fazer o tour na comunidade no Rio de Janeiro. Dá para escolher o que a gente quiser, ou ambos, só não dá para desvalorizar o que os outros querem. Não torne sua geração blasé.

O cara que conheceu Paris, visitou a Torre Eiffel e comeu um crepe por ali é tão viajante (e estrangeiro!) quanto o outro que foi a uma padaria que os turistas não conhecem e comprou uma baguete feita da mesma maneira desde 1920. Os dois passaram por suas experiências de acordo com as escolhas que fizeram da cidade que queriam conhecer. Ninguém deixou de viver uma experiência. E, fazer uma coisa não exclui a outra, as pessoas não viajam em caixas, são livres.

Acredito que com toda essa “gourmetização” do turismo também veio junto a depreciação do termo “turista”. Parece que o que está em alta hoje em dia é ser “viajante”. “Turista” é usado também de forma depreciativa muitas vezes, como aquele cara que só faz o que é conceitual em cada viagem. O termo “viajante” começou a ser designado para aqueles que são modernos, descolados, vivem “experiências de viagem”, muitos que vivem “goumertizados”. Bullshit! Sai dessa, a pessoa viajou, fez o que quis, nada deve depreciar seu roteiro e suas escolhas.

Seja fazendo o tradicional ou coisas novas, descobrindo destinos que pouca gente já desvendou, indo às cidades mais emblemáticos do mundo, a melhor viagem é aquela que nos deixa felizes e nos faz mais ricos de conhecimento. Afinal, como mais uma vez já disse Amyr Klynk: “Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser.” Viajemos para ficarmos menos arrogantes e não mais, por favor.


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