Eu, sentada (blusa branca) em uma coletiva de imprensa do Marrocos cercada por poucas mulheres e muitos homens - Crédito: Divulgação

Cadê as mulheres do turismo?

por: Sylvia Barreto
14 de setembro 2018

Estou incomodada. Sempre estive, mas nos últimos tempos, me incomodei mais. Já tratei aqui sobre a realidade do assédio das mulheres que viajam sozinhas e, outra vez, preciso falar de um tema que envolve o universo feminino e de todos nós. A maioria dos cargos importantes no Brasil, aqueles de tomadas decisão, no turismo e no jornalismo de turismo ainda é ocupado por homens. Por que eu me perturbo com isso? As razões são inúmeras.

No âmbito pessoal relacionado ao meu trabalho, me sinto, muitas vezes, “passada para trás”. Sou jornalista há 12 anos e sobre turismo escrevo há oito, sendo que há sete anos tenho o Viajar é Simples, que é uma empresa com todos seus encargos, impostos e deveres. O que vejo no meu cotidiano é que há mais homens no comando e proprietários de sites, jornais e revistas de turismo. Esse não é o ponto central que me incomoda, mas o fato de que vejo constantemente esses homens fechando negócios de maneira muito mais rápida e prática com os homens que comandam empresas de turismo, que são diretores ou executivos com grandes cargos.

Não me importaria com esse cenário se os fechamentos de negócios fossem por mérito de trabalho ou esforço. Mas o que vejo está bem longe disso, me deparo com aquela camaradagem entre os homens, aquela coisa de fechar negócios na mesa do bar, de ter as mesmas piadas, de se identificar… Algum problema nisso? Não, desde que eu não tenha que fazer um trabalho mil vezes melhor para que meu site seja notado enquanto esses homens fazem um trabalho inferior e, mesmo assim, são agraciados. E o que acontece é exatamente isso, na maioria das vezes, eu tenho que me esforçar muito mais. Parece um “jogo” justo?

Eu já estava com todas essas ideias na cabeça e sentimentos que me incomodavam quando recebi a foto que está no topo desta matéria. Ela foi tirada em uma coletiva de imprensa do Marrocos e há 18 homens e quatro mulheres, eu sou uma delas. Tem outra mulher jornalista (minha amiga Camila Lucchesi, editora do Brasilturis), uma blogueira e mais uma que acho que estava junto com a equipe de assessoria de imprensa. Essa foto despertou muitas perguntas em mim.

Cadê as mulheres?

No setor do turismo, começou a me incomodar o fato de, frequentemente, eu só entrevistar homens. Diretores, CEOS, presidentes de companhias aéreas, operadoras, associações, companhias marítimas, quase todos do sexo masculino. Mas, Sylvia, você não gosta de homem ocupando esses cargos? Nós estamos em um país que beira os 209 milhões de habitantes sendo que há por volta de 105 milhões de mulheres, pouco mais da metade, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com base nesses números, o que me incomoda é o fato de, apesar de sermos um país com um pouco mais de mulheres do que homens, não estamos representadas nos altos cargos. Isso deveria ser preocupante para qualquer cidadão em qualquer sociedade que queira igualdade.

Talvez eu me contentasse mais se o turismo fosse um setor majoritariamente masculino em sua mão-de-obra ou em números de estudantes. Mas não é. Conversando com Mariana Aldrigui, professora e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho de Turismo da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), fiquei sabendo de alguns dados. “Entre as décadas de 70 e 90, cerca de 90% dos alunos que ingressou nos cursos universitários de turismo era de mulheres. Atualmente, entre 65% e 70% dos estudantes do setor são mulheres”, contou ela. Ou seja, mesmo com mais homens estudando, as mulheres ainda são a maioria nos bancos das faculdades e, mais uma vez, começo a questionar as razões de encontrar mais homens do que mulheres na liderança de empresas.

Mariana Aldrigui, professora e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho de Turismo da FecomercioSP – Crédito: Leo Barrilari

Com certeza, as razões são inúmeras. O machismo, certamente, está ligado a quase todas elas. Não é nenhum segredo que há empregadores que preferem contratar um homem ao invés de uma mulher em idade reprodutiva. Além disso, como temos toda a cultura patriarcal enraizada na nossa sociedade, os cuidados com o filho acabam recaindo sobre as mulheres que, muitas vezes, se afastam do mercado de trabalho ou estão sempre sobrecarregadas por duplas jornadas. Não casou e não teve filhos? A sociedade julga e os amigos do trabalho também.

A pesquisadora Mariana também lembrou de outra coisa importante, um tipo de preconceito. Apesar do número de mulheres no setor ser maior, mesmo que não ocupando cargos de liderança, muitos congressos e eventos têm palestras majoritariamente feitas por homens. Ou seja, mesmo que haja uma parcela de mulheres, como a própria Mariana, aptas a falarem de assuntos relevantes no turismo, parece que os eventos acabam buscando representantes do sexo masculino para passarem os conhecimentos adiante. Voltamos para aquele ponto inicial do texto que eu digo que preciso fazer um esforço muito maior que os homens, como qualquer mulher, para ser intelectualmente notada e ter credibilidade.

Grandes consumidoras

Se no setor de turismo é mais difícil que mulheres cheguem aos cargos de comando que os homens, na hora do consumo, o sexo feminino acaba sendo maioria em muitas frentes. O aplicativo e buscador de passagens aéreas Voopter, por exemplo, tem 60% de usuários mulheres. Já a empresa Affinity, de seguro viagem, vende mais para mulheres, responsáveis por 56% das compras de seguro. Mariana acredita que isso acontece porque é comprovado que as mulheres têm melhor capacidade de planejamento.

Em um setor que tem grande parte da mão-de-obra feminina e consumidoras mulheres como maioria, não fica ainda mais discrepante que os altos cargos tenham mais representantes do sexo masculino do que do feminino? É o mesmo com a política brasileira. Se vivemos em um país com mais mulheres do que homens e temos muito mais homens que mulheres nos cargos políticos, será que teremos uma sociedade igualitária? Será que esse homens no poder vão pensar nas necessidades das mulheres como cidadãs, funcionárias e consumidoras?

Elas estão no comando!

Com toda a desigualdade do setor (e da sociedade!), há mulheres em posição de comando no turismo. Um exemplo forte é a Magda Nassar. A profissional acumula cargos, é a primeira presidente mulher da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa), vice-presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav) e sócia das empresas Trade Tech e da operadora Trade Tours.

Fui conversar com Magda, que está em seu segundo mandato como presidente da Braztoa, para saber como ela se sentia sendo uma mulher no comando em um setor dominado por homens. “Às vezes eu preciso ser mais dura do que de costume, me impor mais apenas por ser mulher. Quando comecei como presidente da Braztoa, óbvio que muita gente torceu o nariz para a primeira mulher a ocupar o cargo, mas os bons resultados das minhas duas gestões mostraram que sim, eu poderia estar nessa posição”, contou.

Magda diz que também fica incomodada por não ver tantas mulheres em cargos de comando no setor. “Na maioria das fotos de feiras e eventos, sou a única mulher”, comentou. A presidente até salientou isso na abertura do último Encontro Comercial Braztoa, no dia 08 de maio, Dia Internacional da Mulher. Ela mostrou uma série de fotos profissionais nas quais ela era a única representante do sexo feminino. Será que temos desigualdade?

Como era Dia Internacional da Mulher, Magda aproveitou a abertura do evento para falar livremente da desigualdade. Ela diz que sempre toca no assunto, mas, às vezes, até se sente “uma chata” por falar tanto, então aproveitou a data para comentar abertamente sobre a discrepância. “Um dado que me deixou muito feliz que revelamos na ocasião foi que 38% das mais de 80 empresas associadas da Braztoa são lideradas por mulheres, ainda não é igual, mas, sinceramente, é mais do que eu esperava”, ressaltou ela.

Abertura da Abav Expo 2017. Magda Nassar era a única representante mulher – Crédito: Carol Mendonça

Perguntei para Magda se ela achava que o fato de ser mulher tinha contribuído de uma maneira diferente em suas gestões. Ela me disse que não. “Acredito que homens e mulheres tenham a mesma capacidade. As pessoas podem desempenhar bem todo tipo de função independente do sexo, cada um tem suas qualidades como pessoa”, disse. Achei uma resposta bem evoluída, eu mesma não responderia dessa maneira.

Inspirada por Magda, comecei a pensar em outras mulheres fortes e que ocupam cargos de liderança em todos os setores ligados de alguma maneira ao turismo no Brasil. Então, Mariana me deu a ideia de citar algumas delas neste texto, assim, até outros jornalistas poderiam usá-las como fonte em matérias no futuro.

Comecei a perceber que na aviação, principalmente, em empresas brasileiras, não temos tantas mulheres em altos cargos. Mas posso citar alguns exemplos ótimos. O grupo Lufthansa no Brasil tem uma mulher no comando, a diretora geral Annette Taeuber. Na Azul Claudia Fernandes é diretora de marketing e comunicação. A Latam teve Claudia Sender como presidente, porém, ela é vice-presidente sênior de clientes do grupo Latam atualmente.

Na hotelaria, conheço mulheres incríveis. Só no grupo Accorhotels tem três que admiro bastante, dentre outras: a Roberta Vernaglia, vice-presidente de marketing América do Sul, Antonietta Varlese, vice-presidente de comunicação e responsabilidade social corporativa América do Sul e Mariângela Klein, gerente de marketing de marcas luxury e upscale da América do Sul. A Administradora e franqueadora de hotéis Nobile também tem diversas mulheres ocupando altos cargos, só para citar uns exemplos, tem Emiria Bertino como diretora de qualidade e processos, Neila Araújo, diretora de distribuição e implantações comerciais, Antonia Miranda, diretora de RH e Renata Beraldo como diretora de operações em São Paulo. A Meliá Hotels International Brasil, tem Anunciada de Moraes, como diretora de RH. Estamos bem representadas, não?

Nas operadoras de turismo, lembrei da vice-presidente da Agaxtur, Andrea Leone Bastos. Nas companhias marítimas com representantes no Brasil, apenas a Norwegian tem o cargo mais alto no país ocupado por uma mulher, é a Norwegian Cruise Lines (NCL), com Estela Farina como diretora. A boa notícia é que ela irá assumir a presidência do Conselho de Administração da CLIA-Brasil, braço nacional da maior associação da indústria de cruzeiros do mundo, com 15 escritórios e representação nas Américas do Norte e do Sul, Europa, Ásia e Austrália. Estela iniciará sua atuação no cargo a partir de 1º de junho pelos próximos dois anos.

Estela Farina, é diretora geral da NCL no Brasil e assumirá o cargo de presidente do Conselho de Administração da CLIA-Brasil – Crédito: Divulgação

A Airbnb, por sua vez, tem Leila Suwwan como gerente de comunicação e public affairs no Brasil. A Cabify, que é uma plataforma de transporte usada tanto por moradores como por turistas no Brasil, tem várias mulheres em cargos de liderança, é o caso de Luisa Aguiar, head de people da empresa e a Thais Cunha, head de marketing. Além disso, a diretora global da empresa é a brasileira Barbara Calixto, o cargo certinho é global director of marketing & growth da Cabify.

Para completar o time, há alguns dias Teté Bezerra assumiu a presidência da Embratur (Instituto Brasileiro de Turismo). Ela já ocupou diversos cargos políticos, inclusive no Ministério do Turismo. Se ela é uma boa política e age pensando primeiro na sociedade e não em benefício próprio, eu não sei, no Brasil é um pouco difícil colocar a mão no fogo por políticos, mas acompanharei seu progresso no cargo e espero que faça uma boa gestão. A Embratur já teve uma presidente mulher que fez grandes e boas mudanças no órgão, Jeanine Pires, que ocupou a cadeira da presidência de 2003 a 2010.

Depois te entrar em contato e lembrar de tantas mulheres que são profissionais maravilhosas no turismo, tomei fôlego para continuar. Apesar de me deixar extremamente irritada saber que tantas mulheres vivem esse cotidiano de opressão em suas profissões, é inspirador ver muitas se posicionando no setor e se sobressaindo. Termino com a certeza que damos um passo por vez e que eles, muitas vezes, são pequenos, mas que nunca iremos desistir de ocupar nosso espaço venha a opressão que vier.

*Quero fazer um agradecimento especial a minha amiga Fátima Gatoeiro. Jornalista e assessora de imprensa da Abav, ela me deu a ideia de fontes para esse texto. Além disso, o Viajar é Simples conta com diversas colaboradoras mulheres como freelancers, a Fabi Coronato, a Tatiane Almeida e a Kátia Ricomini. São profissionais comprometidas, todas com mais de uma profissão, e que sempre apoiaram o site.

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