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Como é viver em uma cidade em lockdown?

Nos últimos meses, milhares de pessoas ao redor do mundo tiveram que viver em lockdown. No Brasil, a medida começou a ser adotada em algumas cidades em maio e existe a possibilidade de que seja estendida para outras.

O lockdown, ou isolamento total, foi aplicado com algumas diferenças dependendo do local. Enquanto alguns países estão saindo dele, outros estão entrando. Para saber como é viver essa realidade, o Viajar é Simples buscou mulheres brasileiras vivendo em diferentes lugares, mas em situações muito semelhantes.

De Niterói (RJ) ao Estado da Tasmânia, na Austrália, passando pelo Caribe, Canadá e Europa, seis mulheres contam como foram ou estão sendo seus dias vivendo em lockdown.

Tasmânia, Austrália
A diretora geral de hotelaria Raphaela Carrera, 35 anos, ficou mais de um mês em lockdown em Hobart, Estado da Tasmânia, na Austrália. A vida começa a retomar ao novo normal hoje (18/05), com restaurantes abrindo para até dez pessoas e serviços como salões de beleza.

Apesar de viver em lockdown por várias semanas, Raphaela não parou, pois dirige cinco hotéis. “Tivemos que tomar muitas iniciativas repentinas, e organizar todas as equipes da melhor maneira possível. Na Austrália, é bem complicado porque existem muitos estudantes, pessoas com vistos, que são a base da mão de obra do turismo do país. E, de uma hora para outra, acabou o turismo. No meio da temporada, ficou todo mundo meio perdido e, então, os imprevistos duplicaram minha demanda de trabalho”, explica ela.

Salamanca Market,da cidade de Hobart, na Tasmânia em um sábado antes do lockdown – Crédito: Arquivo pessoal Raphaela Carrera

O mesmo mercado durante o lockdown – Crédito: Arquivo pessoal Raphaela Carrera

A abertura do lockdown é divida em fases na Austrália e o planejamento é que até julho sejam permitidos agrupamentos de até 100 pessoas. Raphaela passou o período com o filho em uma cidade de 500 habitantes onde tem uma casa e fica um dos hotéis que comanda. Apesar de todas as privações, ela não sentiu falta de nenhum serviço, apenas de ter uma vida social e viajar, aliás, é a primeira coisa que ela pretende fazer assim que for possível.

“Não senti falta de nada essencial. Sou muito agradecida de ter condições de estar passando essa fase como estou. Não mudaria nada”, conta. Porém, a hoteleira relata se preocupar com fatores externos. “Fico preocupada com aqueles que estão sofrendo por terem perdido emprego, por ficarem doentes ou estarem longe de casa’, diz Raphaela.

A Austrália tem, até o momento, pouco menos de 7.000 casos de covid-19 e 98 mortes. Na Tasmânia, foram 227 casos. Por esses números, pelo comportamento disciplinado das pessoas e pela maneira clara e organizada que o governo impôs o lockdown, Raphaela acha que ele foi muito efetivo.

Raphaela diz estar agradecida por passar bem pelo lockdown – Crédito: Arquivo pessoal

Com todas essas mudanças, ela também abriu os horizontes em seu trabalho. “Identifiquei que existe uma carência em comida gourmet e desenvolvi uma linha enxuta de congelados desse tipo com ingredientes como trufas, que são ótimas na Tasmânia”, explica.

Não só desse período, mas de toda sua experiência na Austrália, Raphaella tira uma lição. “Sou uma pessoa muito diferente desde que vim para cá. Aprendi a priorizar o que é essencial. Acho que até por isso toda essa confusão não me afetou muito. Acho que olhando para o futuro eu só posso agradecer e continuar aplicando esses valores que aprendi e conquistei aqui”, reflete.

Londres, Inglaterra
Ao contrário de Raphaela, a gestora de comunicação Natasha S.O, 34 anos, está um pouco desapontada com a forma como o lockdown foi aplicado na cidade em que vive, Londres. Com início em 18 de março, ela acha que o governo demorou muito para tomar a medida e que o fez de forma pouco eficaz.

Trabalhando de casa por todo período, ela conta que dia 13 de maio começou a primeira de três fases da transição do lockdown para a “vida normal”. Voltaram a trabalhar todas as profissões que não conseguem fazer home office. Em junho as escolas devem reabrir e a partir de 04 de julho será iniciada a terceira fase com bares, hotéis e restaurantes voltando a funcionar.

Mesmo nessa fase de transição, Natasha só sai para o que é extremamente essencial, como ir ao supermercado e, raramente, para caminhar, embora seja permitido. “Essas saídas não são experiências agradáveis porque onde moro há muita densidade populacional grande e é difícil manter uma distância segura”, explica.

Além desses fatores, em Londres é apenas recomendado, mas não obrigatório, o uso de máscaras em transporte público e muita gente acaba não usando. “Todos os dias há um pronunciamento de governo na televisão e, com frequência, a população fica bastante confusa sobre as instruções dadas ou pelas declarações sem sentido ou sem embasamento científico”, explica a gestora de comunicação.

No Reino Unido, até o fechamento dessa matéria (18/05), o número de casos confirmados era de 246.406 e 34.796 mortes. Além do governo, Natasha também culpa a população, as lojas e a mídia pela situação atual.

Natasha em um passeio descontraído por Londres muit antes do Lockdown – Crédito: Arquivo pessoal

“Em muitos lugares no país (e eu noto isso onde moro) as pessoas continuam saindo às ruas e não respeitando os dois metros de distanciamento; os negócios impõe o distanciamento de forma frouxa (aconteceu de ir no supermercado e ele estar cheio de gente) e muitos veículos de comunicação ficam clamando por ‘liberdade’ – não entendendo que a nossa liberdade termina quando começa a do próximo”, afirma.

Natasha acrescenta que no fim de semana antes de ser decretado lockdown em Londres, ela foi visitar a família em Portugal, país com as menores taxas de mortalidade e infecção da Europa. A situação que ela encontrou por lá era outra. “Foi um contraste muito grande ver o cuidado, a atenção e o respeito com que as regras de segurança eram cumpridas”, completa.

Além de precisar ir ao dentista, cabeleireiro e outros serviços de estéticas que não estão disponíveis, Natasha ainda lida com a saudade da família, dos amigos e de viajar. Logo que acabar esse período, ela planejar voltar à Portugal para visitar os parentes e marcar um encontro com os amigos em Londres.
Apesar de tudo, Natasha vê um ponto positivo no lockdown para sua vida pessoal. Como economiza o tempo de ir e voltar do trabalho, ela usa esse período para investir em sua espiritualidade e meditar mais. “Sobretudo porque percebi que se o lockdown terminasse e eu não tivesse aproveitado esse momento para me conectar com a minha essência, teria sido um desperdício”, afirma.

Se Natasha reclama que muita gente não colabora com o lockdown, por outro lado, ela afirma que atitudes de pessoas próximas a tocaram nesse período. “Meu irmão ia à casa da minha mãe e ficava do outro lado da rua falando com ela pelo celular e ela na janela. Meu marido não quis presente de aniversário, pediu doações para quem precisa. Não somos ricos, mas há muita gente em situação mais complicada neste momento”, finaliza.

Milão, Itália
Se Natasha tem investido na espiritualidade durante o lockdown, a atriz e apresentadora Larissa Izzo, 33 anos, decidiu aproveitar o momento para fortalecer sua saúde mental e de seus seguidores no Instagram (@lariizzo).

Na região da Lombardia, onde fica Milão e epicentro da pandemia na Itália, o isolamento social voluntário começou com a primeira morte, em 21 de fevereiro. Em 09 de março, começou o lockdown. Em 04 de maio, a reabertura começou.

Para enfrentar esse período longo, Larissa desenvolveu o projeto Segundas da Saúde Mental com a psicóloga Mariam Reis. “Todas as segundas-feiras, às 17h30 (horário de Brasília), discutimos temas que ajudam no suporte mental e emocional daqueles que estão enfrentados dificuldades na pandemia”, conta.

A atriz, que parou de trabalhar totalmente por conta da pandemia, diz que no começo sentia falta de tudo, do ir e vir, de sair com os amigos e até de olhar árvores e respirar o ar da rua. “Depois de duas semanas, comecei a modificar esse processo interno de aceitação para o bem da minha saúde mental”, explica. E, depois, lançou o projeto para ajudar outras pessoas.

Larissa e o marido em frente ao Duomo de Milão antes da pandemia – Crédito: Arquivo pessoal

Larissa diz que agora olha esse momento de outra maneira, com respeito. Acrescenta que vê o privilégio por poder estar em casa e renovou seu amor ao próximo. Na Itália, foram, pelo menos, 225.886 pessoas infectadas desde o início da pandemia e 32.007 mortes, sendo pouco mais de 13.000 só na Lombardia, comuna na qual vive a brasileira.

Com todos os casos e disseminação rápida do vírus pela Itália, Larissa acha que o lockdown foi essencial para o país. Logo que a reabertura começou, ela e o marido foram andar de bicicleta em um parque para sentir o vento no rosto, ver as árvores e ficarem mais próximos da natureza.

Se os parques já abriram e os restaurantes e bares voltam a receber clientes a partir de hoje (18/05), o turismo deve ser retomado em breve, com cautela. De acordo com Larissa, o governo está investindo em ações e descontos para incentivo do turismo interno, porém, ainda não existe nada concreto.

Como trabalha por contratos e com todos eles cancelados desde que o isolamento começou, apesar de a vida na Itália parecer estar voltando ao normal, ela ainda não tem previsão de retorno de suas atividades. Além disso, a documentação de permanência do marido dela na Itália estava sendo renovada e o agendamento na prefeitura foi cancelado sem indicação de reabertura para remarcações.

Mesmo com suas dificuldades pessoais e da sociedade, Larissa vê ainda um ponto positivo no comportamento da população. “Aos poucos, foi possível ver a barreira do preconceito, da revolta e do ódio diminuir e o amor, carinho, aceitação e empatia crescer cada vez mais”, completa.

Willemstad, Curaçao
Assim como Larissa, do outro lado do Atlântico, em Curaçao, Maria Flavia Junqueira da Cunha, 54 anos, ficou totalmente sem trabalhar quando seu bar e restaurante, o Obaar, foi fechado por conta da pandemia.

No país caribenho, a quarentena começou em 15 de março e o lockdown dia 30 do mesmo mês. Dia 08 de maio. Teve início uma flexibilização com abertura parcial de bares e restaurantes. Esses estabelecimentos podem servir até 25 pessoas se tiverem terraço, como é o caso do Obaar, com distanciamento social e, os que não têm, podem fazer delivery.

Durante o tempo que seu bar ficou fechado, Maria Flavia teve muitas ideias e planeja renovar totalmente o local. “Vou ampliar o menu e servir mais comidas brasileiras no terraço”, explica.

Com 16 casos até o momento e uma morte, a empresária vê o lockdown como muito efetivo. Porém, está preocupada com a retomada do turismo, que é algo essencial para o país. Para se adaptar à nova realidade e atrair a população local, ela também pretende expandir a área de bar de seu estabelecimento e ter música ao vivo e sessões de jazz.

Apesar de bastante animada em voltar ao trabalho e rever seus clientes, ela se preocupa com a retomada do turismo. “Não sabemos quando o aeroporto será reaberto, quando poderemos receber navios de cruzeiro ou mesmo barcos e veleiros de passeio. Não se tem ideia de como as fronteiras irão funcionar e como será feito o controle de turistas que irão entrar no país. O que se diz é que voltaremos a algum tipo de normal somente em 2021”, completa.

Mari Flavia voltou a trabalhar com a flexibilização das medidas de lockdown – Crédito: Arquivo pessoal

Alberta, Canadá
A angústia de Maria Flávia em Curaçao é a mesma de Juliana Durso, 34 anos, em Edmonton, Província de Alberta, Canadá. A especialista em marketing digital sente falta de fazer planos porque não sabe o que irá acontecer no futuro.

Trabalhando de casa com o marido e o cachorro, Juliana gostaria de poder fazer principalmente, planos de curto e médio prazo, como combinar encontros com amigos ou planejar uma viagem de fim de semana.

O lockdown começou gradual, na segunda quinzena de março. “Como era uma situação muito nova, cada dia tinha uma mudança diferente”, conta. Além disso, a cidade recebia medidas de nível federal (como fechamento de aeroportos) e de nível local (como estabelecimentos que deveriam ser fechados).

Na Província de Alberta, onde ela mora, a primeira fase de reabertura começou em meados de maio. “Alguns serviços voltam a ser permitidos e algumas restrições foram relaxadas, mas ainda estão mantendo as recomendações principais de higiene (lavar as mãos após contato com outros ou com a rua) e de distanciamento (dois metros entre pessoas que não moram na mesma casa)”, explica Juliana.

Mas, alguns serviços fizeram muita falta à brasileira durante o lockdown, como salões de beleza, dentistas (que só estão atendendo emergências) e bibliotecas. Com cerca de 78.000 casos e 5.839 mortes até o momento, Juliana vê a medida como bastante eficaz.

Juliana, no passado, durante as festividades do Canada Day, cancelado em 2020 – Crédito: Arquivo pessoal

Ela também imagina que o país irá ter aprendizados durante a pandemia. “Acho que vai ficar uma lição sobre a necessidade e a importância de termos formas de apoio aos pequenos empresários e trabalhadores com salário mínimo, além de outra forma de pensar em pessoas vulneráveis, como moradores de rua, indígenas que ainda sofrem discriminação de algum modo, famílias carentes, mulheres que sofrem violência doméstica, dentre outros”, explica.

Quando as medidas estiverem mais flexíveis, a brasileira pretende acampar. Essa atividade, bastante popular em Alberta, será liberada a partir de junho com algumas restrições. Juliana já tem até reservas para o verão! Outro plano, daquele tipo que ela sente tanta falta, é marcar uma noite de jogos ou happy hour com os amigos. “Não é a mesma coisa conversar através de uma tela”, completa.

Sei que a foto que estou mandando não é das melhores, mas achei legal por mostrar a Alberta Legislature (um dos símbolos da cidade) e ainda por cima lotada de gente, durante o Canada Day uns anos atrás. Para contraste, as comemorações do Canada Day deste ano foi cancelado (é dia 1 de julho, feriado nacional que sempre bomba por ser no auge do verão e pela importância da data).

Niterói (RJ), Brasil
Se Juliana sente falta de fazer planos, a jornalista Priscila Correia, 36 anos, tem saudade de simplesmente andar pelas ruas de Niterói e seguir a antiga rotina. A cidade entrou em lockdown dia 11 de maio, mas ela está isolada em casa com a família desde 15 de março.

Priscila já fazia home office, mas viu sua rotina mudar quando o marido, advogado, começou a trabalhar em casa também e os dois filhos passaram a ficar em tempo integral com o casal. “Não saímos para nada, nem para ir ao supermercado, peço delivery”, explica.

Mas nem todo mundo na cidade de Niterói tinha essa postura, tanto que o lockdown foi decretado. “Desde o início de abril eu via da minha janela um trânsito enorme na rua, barulho, buzinas, obras acontecendo normalmente e muitas pessoas passando com compras e esperando ônibus no ponto”, conta a jornalista.

Porém, com o lockdown, Priscila relata que o barulho na rua reduziu muito e o trânsito não existe. “Pela janela dá para contar o número de veículos que passam por minuto. As luzes dos prédios vizinhos estão em todas as janelas e os porteiros me informaram que a chegada de delivery no condomínio aumentou muito nesta primeira semana da medida”, completa.

Mesmo antes do lockdown, Priscila já estava isolada com a família – Crédito: Arquivo pessoal

Priscila afirma que continuará isolada mesmo quando o lockdown acabar. De acordo com a jornalista, ela só irá flexibilizar a rotina quando realmente se sentir liberada da responsabilidade com a sociedade.

“Não estou em casa apenas por conta da ordem do governo, mas me isolei completamente porque somos menos quatro pessoas na rua ajudando na propagação do vírus. Enquanto os números de doentes estiverem crescendo e os hospitais estiverem sem leitos, não me sinto confortável para ir a lugar algum”, explica.

Com a redução do número de pessoas nas ruas, ela imagina que o lockdown terá resultado positivo. Porém, quanto ao comportamento de cada um, apesar de otimista, ela ainda vê pontos negativos. “Parece que a pandemia traz à tona o melhor e o pior das pessoas. Mas, no fim, acho que estamos todos aprendendo muito”, finaliza Priscila.